XaD CAMOMILA

14 de novembro de 2011

Ser de esquerda

por Fernando Evangelista*

"Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural.

É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento.

É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.

É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder.

É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais.

O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move.

Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.

É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço.

À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes.

Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente.

Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.

Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos.

É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade.

É manter a coerência entre a palavra e a ação.

É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas.

Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente.


Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes.

Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo."




*Jornalista. Mestre em Comunicação pela Universidade de Coimbra/Portugal. Atuou como correspondente da Revista Caros Amigos e cobriu conflitos no Oriente Médio, Europa, Iraque e Líbano. Recebeu o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos por uma reportagem sobre a questão agrária no interior de São Paulo. Dirigiu dois documentários sobre o MST, ambos premiados.

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