"Dois com mais de 50 e raivas recíprocas, numa família de nove irmãos. O pai falecido há anos; a mãe faz alguns meses. Herança. Angu-de-caroço, antes do almoço. Passo a passo, consigo que cada um exponha sua versão sem interrupções, mas os poucos hectares de terra, plantados de vaidades e intolerâncias, alimentam o “lá tu não entra”, “nem ponha os pés”, “mentiroso é tu” e outras vernaculizações, num histórico de tiro e ameaças. Procuro estender a toalha da concórdia, mas ela é rispidamente enodoada. Aí, insisto, contemporizo os erros e acertos de cada lado e, quando se avista alguma nesga de entendimento, um deles se lembra de abanar o furdunço. “E o jumento da mãe é meu e tu pegou sem minha ordem?” Ouço logo um “vai te lascar! Alzira e Nico te pagaram esse jumento!” Sem pronta intervenção, alcançariam os gogós. Mantenho-os sentados e promovo algumas pausas, na esperança de que a adrenalina esqueça o poder em suas veias. Qual! estou no meio do turbilhão humano, suas forças primitivas e naturais. Percebo que preferem uma ordem do Estado a capitularem num acordo. A tentativa era necessária, mas o vocabulário de ofensas foi ampliado, dificultando o próximo round. Veremos. Nas sucessões, jumento ou brinco de ouro só distinguem as classes, não os sentimentos." (Juarez Medeiros Filho, Promotor de Justiça no Maranhão).
Post original em: http://oparquet.blogspot.com/2009/11/cena-iii-jumento-da-mae.html
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