XaD CAMOMILA

23 de julho de 2010

Os Normalpatas

... surrupiado do blog do Alexandre Morais da Rosa



por L. F. Barros (mestre e doutorando em Filosofia da Educação/USP; autor de Memórias do Delírio - confissões de um Esquizofrênico e Anjo Carteiro - a correspondência da psicose)

"Só para loucos."
Herman Hesse - O Lobo da Estepe

"O nosso ideal é uma tranqüilidade desvairada."
Cleo - personagem de Anjo Carteiro - A Correspondência da Psicose


" A normalpatia é a síndrome mais universalmente difundida nas sociedades modernas.

Consistindo na plena convicção que a maioria dos indivíduos nutre a respeito de sua total e absoluta sanidade, esta síndrome não tem cura, posto que o conceito de cura só se aplica aos doentes.

A hipotética cura do normalpata seria paradoxal: só se daria pela aquisição de uma disfunção de comportamento, pensamento ou emoções, o que o levaria a estar doente e não a estar curado.

A normalpatia é a mãe de todas as ortodoxias, estas camisas de força em que o normalpata encontra uma segurança que, na verdade, não tem por conta de si mesmo. A única segurança efetiva que nutre a presunção do normalpata é estabelecida pelo contraste que julga existir entre sua suposta sanidade e a loucura que atribui aos outros.

O heterodoxo é a trilha em que só sabem trafegar os loucos. E só a heterodoxia pode credenciar-se ao estudo da normalpatia.

Ressalte-se que a heterodoxia que os loucos podem vir a praticar para o correto estudo dos normalpatas em nada se assemelha aos falsos movimentos ou doutrinas heterodoxos que enlevam os normalpatas ao se arvorarem o direito de serem loucos, quando isto é prerrogativa apenas nossa.

As heterodoxias correntes, sejam as dos grupos marginais e delinqüentes, sejam as dos economistas desorientados, sejam as dos políticos eternamente dissidentes mesmo quando no poder, além de outras, consistem na negação falaciosa apenas da parte que lhes convém dos axiomas das doutrinas ou convenções prevalecentes.

Nós somos heterodoxos por outra via de construção doutrinária. Somos heterodoxos porque, a isto castigados por nossa sensibilidade e nossa sina, abarcamos, cada qual, em nossas mentes, a totalidade das ortodoxias presentes, passadas e futuras. E, com o perdão da palavra, processamos esta merda toda de forma tão definitivamente abrangente que, pelo excesso de postulados, normas, leis, axiomas, teoremas e deduções, nossa cabeça pifa e nós enlouquecemos.

Se, uma vez loucos, somos privados pelos normalpatas de todos os nossos direitos de cidadania, isto não implica, contudo, que nos seja lícito abandonar nossos deveres de cidadãos. Nossos direitos somente serão reconquistados a partir do pleno cumprimento dos deveres que o destino nos impõe.

Nosso maior dever, meus confrades, é dedicarmo-nos com a mais livre inconseqüência que só a loucura proporciona - ao estudo dos normalpatas. Esta é uma contribuição que só os loucos podem prestar. E a história será nosso juiz: apenas o transcorrer dos séculos poderá julgar o mérito de nossas descobertas.

Mais uma palavra apenas, embora eu a saiba desnecessária: rogo a todos que nunca se afastem, na condução de nossos debates, da mais estrita fidelidade ao código de ética dos loucos.

Declaro aberta a Primeira Semana Psicótica de Estudos da Normalpatia."

COM ESTAS JUSTAS E ALUCINADAS PALAVRAS, pronunciou ao vento o seu discurso, falando a ninguém, o Prof. Ludovico, Doutor em Epistemologia pela Escola Livre (por correspondência) de Estudos Mentais, fundada por ele mesmo e da qual ele era o único docente, pesquisador e aluno. (Quando não falava sozinho, ele escrevia cartas para si mesmo).

Esta escola, sediada, por força das circunstâncias, nos jardins de uma "clínica de repouso", eufemismo que ele julgava indecente para designar "hospício", tratou em primeiro lugar de propor novas nomenclaturas para conceitos, objetos e lugares que ele julgava mal definidos. (...)

Destas modificações iniciais, mais chãs e vulgares, passou ele, a seguir, a repensar termos e conceitos mais intrincados que pululavam no hospício. Breve amostra da natureza de suas reflexões, neste período primeiro de sua escola, são os seguintes:

"Delirar não é afastar-se da realidade e sim a capacidade de apreender o surreal".
"Alucinar não é enxergar e escutar o que não existe e sim a capacidade que só os loucos têm de perceber clara e distintamente o que existe dentro deles mesmos".
"Psicólogo é um sujeito que por não saber contar histórias gosta de ouvi-las dos outros".
"Psicologia é uma ciência do comportamento e portanto não se aplica aos mal-comportados".
"Psiquiatras são esquisitos porque tentam compreender o que nem sequer percebem".
"Psiquiatria é um ramo da medicina que se criou para que os cartunistas e piadistas não se incomodassem com a ginecologia e a proctologia".
"Anti-Psiquiatria foi um movimento que proporcionou excelente encaminhamento para os anti-loucos".
"O único termo certo que se usa neste hospício é quando nos chamam de pacientes. De fato é preciso muita paciência para agüentar isto tudo".

O desenvolvimento de sua escola não se absteve de uma revisão da lógica e dos pressupostos científicos. Na esfera de suas reflexões sobre a filosofia da ciência, investigação que empreendeu para solidamente alicerçar o desenvolvimento de seu pensamento, encontram-se formulações da seguinte natureza: ... " [continua...].

Para acessar o texto na íntegra, clique aqui.

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