por Rodolpho Motta Lima*
"Aproximando-nos do desfecho do processo eleitoral, é profundamente lamentável a constatação do baixíssimo nível que tem marcado muitos dos seus momentos. E qualquer que seja o balanço que se faça a respeito , um lugar vergonhosamente especial estará reservado à perversa declaração de que Dilma seria a favor de matar as criancinhas. Dentre todas as iniquidades ideológicas produzidas no instante em que vivemos, essa certamente se candidata a engrossar o rol das mais revoltantes posturas assumidas na história do ambiente político nacional, com a inverdade e a desfaçatez sendo postas a serviço de propósitos nem sempre confessáveis.
A vantagem dos cabelos brancos deste colunista – se há vantagem nos cabelos brancos – é que eles, sendo a metonímia do passar do tempo, por isso mesmo me fizeram testemunha de muitos momentos relevantes da história moderna do meu país, alguns de bem triste memória, outros de profundo regozijo.
Quando jovem, ouvia dizer que os comunistas eram criaturas pérfidas que “comiam criancinhas”, Aliás, recordo-me de que a primeira vez em que escutei essa afirmação foi quando, presidente em um grêmio estudantil do Colégio Pedro II, com meus 15 anos, quis promover no colégio uma palestra com o desembargador Osni Duarte Pereira, cujo tema era “O Petróleo é nosso”. O palestrante seria comunista, na visão de quem queria proibir o evento, e “comunistas, você sabe, dizem até que comem criancinhas...”
Coincidências? Não creio. O pensamento retrógrado, quando não consegue explicitar suas teses (ou não quer deixá-las claro, por serem retrógradas), vale-se de argumentos terroristas, insufla o medo. Naquele momento (estávamos em 1958), a cobiça do capital estrangeiro debruçava-se sobre o nosso petróleo, havia até quem dissesse que nem tínhamos petróleo, e defendê-lo era coisa de esquerdista, de comunista, rótulo que atingia a todos que possuíam uma visão nacionalista do problema. Hoje, com o pré-sal na alça de mira dos que pretendem fazer o jogo entreguista de sempre, não sei por quê, comparo a frase gerada na campanha tucana àquela que escutava então...
O discurso do medo é a arma dos que não têm coragem de assumir posições “inassumíveis” para o grande público. Estou aqui me lembrando de Regina Duarte, alçada à condição de arauto da desgraça naquele patético depoimento que antecedeu a eleição do Lula. Lula de quem, aliás, se dizia que não tinha condições pessoais de governar o país, porque jamais tinha tido um cargo executivo, e que hoje sai do governo com 80% de aprovação popular. Coincidências? Não creio. A turma tucana vive por aí apregoando os “títulos” de seu candidato como se fossem , por si só, representativos de algo. E afirmando, categoricamente, como cassandras vocacionais que são, que a Dilma “não vai dar conta...” porque lhe falta experiência (que, aliás, não falta). E cá para nós: será que não conhecemos muitas figuras nefastas na política do nosso país que já ocuparam todos os cargos possíveis e imagináveis?
Junto com o discurso do medo, a direita é pródiga em sentenciar a imoralidade alheia, a corrupção dos outros, e tem o apoio da mídia para repercutir isso, a mesma mídia que se cala no que respeita à improbidade dos que atendem aos seus interesses. Coloca-se Erenice na ordem do dia, mas Arruda e suas falcatruas com a coisa pública são convenientemente esquecidos – e ele seria o vice do Serra, como “expressivo” nome do DEM. Bate-se no mensalão do PT, mas não se fala no do PSDB mineiro (que, aliás, inaugurou o “valerioduto”) ou do descalabro da última administração tucana no Rio Grande do Sul. Coloca-se em evidência os negativos apoios de Collor e Sarney, mas convenientemente omitem-se, no outro lado, os de Jefferson e Maia (quando haverá som na vergonhosa e inexplicável “Cidade da Música”?). Sobre corrupção, aliás, fala-se muito dos corrompidos , pouquíssimo dos corruptores – empresas fraudadoras, empreiteiras sempre dispostas a comprar pessoas - , que representam a falência ética de um perverso sistema capitalista, onde o lucro é único objetivo.
O pensamento direitista em nosso país tem-se mostrado, ao longo do tempo, terrorista e falsamente moralista. E, às vezes não disfarçadamente, antidemocrático. Já entrou para os anais da história retrógrada da política brasileira a frase de Carlos Lacerda, direitista-mor da antiga UDN, de quem o DEM é herdeiro de sangue e o PSDB por adoção. Falando sobre a possibilidade de Juscelino Kubtscheck vir a ser Presidente da República, Lacerda disse (cito de memória): “Juscelino não pode ser candidato. Se for, não pode ganhar. Se ganhar, não pode tomar posse. Se tomar posse, deve ser derrubado.” No início do atual processo eleitoral, o PSDB tentou “impugnar” a candidatura de Dilma, lembram-se? Coincidências? Não creio.
São múltiplas as máscaras de que a direita se utiliza para a manutenção dos seus padrões e interesses de classe. O caso do aborto (com a chancela de setores obscurantistas da Igreja, como nos mostrou o Eliakim em seu brilhante artigo) apenas revela mais uma dessas faces. Vivencio coisas desse tipo desde os meus tempos de garoto. E se há uma diferença a considerar é que, para a direita, os seus opositores, nos anos 50, comiam criancinhas. Nos dias de hoje, só matam..."
* Advogado, formado pela UFRJ e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
Fonte: Direto da Redação
Nenhum comentário :
Postar um comentário