“No fundo do poço, 3 mil metros abaixo, a gente não ‘veve’, a gente vegeta”.
Luiz Carlos Marques da Silva, morador de rua.
"ESPAÇO DE VISIBILIDADE
NOWHEREMAN é um trabalho de arte realizado na forma de um álbum de figurinhas, tendo por tema a questão do acesso à moradia nas grandes cidades. Suas páginas são impressas em p&b com lugares, equipamentos urbanos e anúncios publicitários de venda e aluguel de apartamentos do centro da cidade do Rio de Janeiro e as figurinhas, moradores de rua encontrados nesta mesma região.
Assim, o álbum tem a intenção de promover uma espécie de reforma urbana simbólica, ou melhor, de oferecer um espaço de visibilidade a “invisíveis funcionais” que, por sua própria condição miserável, não se contam nas estatísticas senão como problema. Que não são vistos senão como lixo, incomodando, impedindo a passagem, sujando a cidade.
A pesquisa, inciada em 2009, objetivava recolher depoimentos sobre os sonhos daqueles que já não possuem mais nada de material para se apegar. Perguntava-me se havia uma espécie de desapego material nessas pessoas que lhes confortassem o cotidiano sofrido. O trabalho, no entanto, acabou se expandindo para um projeto denominado Cromo Sapiens, uma vez que figurinhas são conhecidas como cromos, também.
OBJETO IRÔNICO
Quando Andy Warhol disse que “no futuro todas as pessoas teriam direito a quinze minutos de fama”, ele não podia prever que esse tempo, hoje, se tornou quase uma eternidade. Pessoas sem nenhum diferencial se tornam estrelas de um minuto para outro e depois desaparecem no anonimato de onde vieram. Talvez, os últimos que ainda faltam ser incluídos nessa lista sejam, justamente, os mendigos, os andarilhos, os moradores de rua.
Um álbum de figurinhas é um objeto irônico, porque colecionávamos figurinhas dos nossos heróis, de produtos e lugares, na nossa infância, mas colecionar mendigos, acolher moradores de rua em nossa casa – ainda que desse modo – cria uma inversão na posição do espelho, sempre posicionado para refletir a melhor de nossas aparências. Por outro lado, parece algo de idealista, também. Não seriam os mendigos dignos de serem pensados como gente? A resposta parece óbvia, mas a prática se mostra diferente.
HISTÓRIAS DE VIDA
As histórias coletadas revelam que, muitos, em algum momento, cairam e (ainda) não conseguiram se levantar. Alguns já estão em processo de decrepitude, loucura, atravessaram o portal da razão. Outros estão doentes e não têm força para sair do buraco onde estão enfiados. Há ainda os que, coitados, não foram felizes, perderam a mulher, o emprego, foram mandados embora de casa e, faltando-lhes o básico para sobreviver - vários, analfabetos - não tiveram outra opção senão a rua, o lado de fora do mundo. Há aqueles, ainda, que não se deixam fotografar, que mentem o nome, a identidade, que sentem vergonha do lugar que estão. Não querem um lugar de mentirinha para ficarem colados. Não querem aparecer no jornal, na TV. Possuem suas razões para isso.
As estatísticas apontam para mais de 2000 mil na cidade do Rio de Janeiro. A maioria jogada no centro da cidade, que se transforma em dormitório de “moradores de rua”, à noite. O que eu posso fazer para intervir nessa situação? O que você pode fazer diante desse trágico quadro exposto cotidianamente diante de seus olhos? O que o poder público pode fazer para melhorar a vida dessas pessoas? O álbum de figurinhas NOWHEREMAN – homem de nenhum lugar, ou homem do aqui e agora – nada esclarece sobre essas perguntas, apenas aponta na direção daquilo que todos preferíamos não ver, mas que não podemos continuar fingindo que não vemos.
Nesses dois anos de trabalho, voltei a ver apenas um dos personagens. Ele ilustra as páginas do álbum em dois momentos distintos e mostra como a vida dura machuca as pessoas. Onde estarão os outros personagens? Por que aquela senhora que ficava na rua da Glória, que sonhava fazer bolos no forno, desapareceu de lá?
FUNCIONAMENTO E CIRCULAÇÃO
Como estratégia de visibilidade, o álbum funciona, também, como um jogo. Uma das figurinhas, o cromo de número 13, é a carta do louco, do tarot, que é a mesma ilustração do ‘filho pródigo’, uma pintura do século XVI, de Hieronimos Bosh. Ele é o andarilho, por excelência, o coringa, ou melhor, a figurinha carimbada do álbum. De tão errante, confundiu as páginas do álbum onde deveria estar com as paredes das ruas da cidade do Rio de Janeiro. Cada pista que leva a ele - que pode ser encontrada em alguns pacotinhos - dá direito a algumas refeições para os moradores de rua. Estas ações serão documentadas e postadas posteriormente no blog, justamente com a figurinha, que só a partir daí passará a existir. Por enquanto, apenas sua sombra parece ter sido vista aqui e ali, segundo nos conta a lenda... quem irá encontrar nosso personagem perdido pelas ruas?
Com o patrocínio da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, o álbum vem sendo lançado em vários locais. O projeto todo, conta ainda com a exposição Só sonha quem dorme, onde, além do lançamento do álbum de figurinhas, será mostrado outros trabalhos de arte que se desdobraram de minha pesquisa, iniciada enquanto fazia a dissertação de mestrado, na UERJ, sob orientação do professor Luiz Cláudio da Costa."
ONDE ADQUIRIR?
BANCA CULTURAL
Rua da Lapa, em frente ao número 180, perto da saída da rua do beco do rato
De segunda a sexta-feira, das 16 às 0 horas
Atelier DEZENOVE
Travessa do Oriente, 16A, Santa Teresa
Telefone: 2232-6572
MUSEU DO MUNDO
Rua Teixeira de Melo, 53
Entrada também pela Av. Visconde de Pirajá, 111 - Ipanema
http://figurinhasnowhereman.blogspot.com/
Fonte: Blog Projeto Cromo Sapiens
Um comentário :
Bacana amada. Adorei.
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