Decisão reproduz atos para dar continuidade à relação do poder branco com os donos originais da terra
Uma sentença judicial não precisa
se estender por folhas incontáveis para valer por uma aula. Em poucas palavras,
a decisão da juíza Raquel Domingues do Amaral, da Justiça Federal, no caso dos
índios terena, deu uma aula de direito brasileiro e ainda uma aula de história.
Em resposta à morte do índio Oziel Gabriel na
quinta-feira, durante operação das polícias Federal e de Mato Grosso Sul que
expulsou os terena invasores da fazenda Buriti, no dia seguinte deu-se nova
invasão. Diante disso, a juíza determinou à Funai e à União a retirada dos
índios em 48 horas e, se não cumprida tal ordem, multa diária de R$ 1 milhão
para a União e, para o coordenador local da Funai e para o chefe da aldeia
terena, multa de 1% do valor da causa. (Não ria desta obrigação imposta às
finanças do índio).
A Funai não tem meios nem poder
de retirar índios à força de lugar algum. A União tem um instrumento para a
ação: a Polícia Federal. O prazo de 48 horas, no caso, só poderia significar
ação imediata da Polícia Federal contra a anunciada disposição dos índios,
exaltados com a morte de um deles, de resistir à força aos policiais.
A decisão da Justiça Federal
determinou a ocorrência de um conflito. Ou seja, uma reprodução a mais dos atos
que se revestiram dos formalismos judiciários para dar continuidade, mais
atualizada, à relação histórica do poder branco com os donos originais da
terra.
Já o confronto que resultou na
morte do terena Oziel decorrera de sentença da Justiça Federal. Ao ver
frustrada a audiência de acordo, sob sua coordenação, com a presença da Funai,
do fazendeiro e ex-deputado Ricardo Bacha e de representante terena, o juiz
Ronaldo José da Silva determinou a imediata retirada dos índios. As polícias
agiram, para a retirada imediata, com a competência esperada e, também no seu
caso, multissecular. Sentença cumprida.
Mas que terra é essa em que os
terena não podem estar? A julgar pela mesma Justiça Federal que os dois juízes
integram, é terra dos fazendeiros que a exploram, segundo sentença judicial; e
é terra de ocupação permanente dos terena, segundo reconhecimento do Tribunal
Regional Federal ao levantamento feito pela Funai e ao recurso judicial do
Ministério da Justiça. E assim continua, como terra de uns e de outros, a
depender de cada papel que saia do Poder Judiciário.
Mas, claro, no duplo
reconhecimento de posse, só os fazendeiros ganham da Justiça Federal o direito
de permanecer na terra e de explorá-la. Aos terena obriga-se a retirada
imediata ou o confronto, de resultado conhecido por antecipação, com a Polícia
Federal e com a polícia de Mato Grosso do Sul. É, sempre, o resultado histórico
na disputa e posse da terra.
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