XaD CAMOMILA

5 de junho de 2013

Na terra da Justiça


Decisão reproduz atos para dar continuidade à relação do poder branco com os donos originais da terra

Janio de Freitas

Uma sentença judicial não precisa se estender por folhas incontáveis para valer por uma aula. Em poucas palavras, a decisão da juíza Raquel Domingues do Amaral, da Justiça Federal, no caso dos índios terena, deu uma aula de direito brasileiro e ainda uma aula de história.

Em resposta à morte do índio Oziel Gabriel na quinta-feira, durante operação das polícias Federal e de Mato Grosso Sul que expulsou os terena invasores da fazenda Buriti, no dia seguinte deu-se nova invasão. Diante disso, a juíza determinou à Funai e à União a retirada dos índios em 48 horas e, se não cumprida tal ordem, multa diária de R$ 1 milhão para a União e, para o coordenador local da Funai e para o chefe da aldeia terena, multa de 1% do valor da causa. (Não ria desta obrigação imposta às finanças do índio).

A Funai não tem meios nem poder de retirar índios à força de lugar algum. A União tem um instrumento para a ação: a Polícia Federal. O prazo de 48 horas, no caso, só poderia significar ação imediata da Polícia Federal contra a anunciada disposição dos índios, exaltados com a morte de um deles, de resistir à força aos policiais.

A decisão da Justiça Federal determinou a ocorrência de um conflito. Ou seja, uma reprodução a mais dos atos que se revestiram dos formalismos judiciários para dar continuidade, mais atualizada, à relação histórica do poder branco com os donos originais da terra.

Já o confronto que resultou na morte do terena Oziel decorrera de sentença da Justiça Federal. Ao ver frustrada a audiência de acordo, sob sua coordenação, com a presença da Funai, do fazendeiro e ex-deputado Ricardo Bacha e de representante terena, o juiz Ronaldo José da Silva determinou a imediata retirada dos índios. As polícias agiram, para a retirada imediata, com a competência esperada e, também no seu caso, multissecular. Sentença cumprida.

Mas que terra é essa em que os terena não podem estar? A julgar pela mesma Justiça Federal que os dois juízes integram, é terra dos fazendeiros que a exploram, segundo sentença judicial; e é terra de ocupação permanente dos terena, segundo reconhecimento do Tribunal Regional Federal ao levantamento feito pela Funai e ao recurso judicial do Ministério da Justiça. E assim continua, como terra de uns e de outros, a depender de cada papel que saia do Poder Judiciário.

Mas, claro, no duplo reconhecimento de posse, só os fazendeiros ganham da Justiça Federal o direito de permanecer na terra e de explorá-la. Aos terena obriga-se a retirada imediata ou o confronto, de resultado conhecido por antecipação, com a Polícia Federal e com a polícia de Mato Grosso do Sul. É, sempre, o resultado histórico na disputa e posse da terra.


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