Projeto de juíza de Campinas eleva de 7% para 26,7% percentual de conciliações nos processos
Henrique Beirangê
DA AGËNCIA ANHANGUERA
Aumentou em quase quatro vezes o número de acordos em ações ordinárias que tramitam na 5ª Vara Cível de Campinas. De fevereiro a outubro do ano passado, apenas 7% das audiências resultaram em acordo. Entre novembro de 2009 e fevereiro deste ano, os números saltaram para 26,78%. Um projeto, chamado Conciliação em Dois Tempos, criado pela juíza Renata Manzini, com o setor de conciliação da Comarca, é responsável pelo aumento no índice de sucesso das negociações. A conciliação é uma das sugestões para ajudar a desafogar a Justiça no Brasil, hoje sobrecarregada com cerca de 70 milhões de processos em andamento — 140 mil deles só em Campinas. A medida reduz o tempo de uma ação, diminui o acúmulo de processos e facilita a vida do cidadão quando soluciona uma demanda com rapidez.
Na prática, as audiências conciliatórias são divididas em duas etapas. No primeiro momento, ainda antes de entrarem na sala de conciliação, uma psicóloga especializada conversa com as partes para tentar diminuir possíveis animosidades. Até a decoração da sala foi pensada como forma de propiciar um ambiente que pudesse passar a sensação de tranquilidade. As paredes são claras, dentro de um ambiente climatizado e com quadros de paisagens. É lá que um profissional treinado tenta convencer os envolvidos no litígio das vantagens de chegar a um acordo. Este conciliador fala dos benefícios e alerta sobre possíveis prejuízos e desgates de uma disputa judicial longa. Caso não seja realizado um entendimento, logo em seguida a juíza titular da vara realiza uma outra audiência, tentando ela mesma convencer as partes a chegar a um entendimento.
A idéia da magistrada nasceu durante a elaboração de um trabalho acadêmico sobre a importância do diálogo no transcurso das audiências de conciliação. Segundo ela, muitas ações podem ser solucionadas de forma mais ágil e acelerar a prestação jurisdicional “Há pouca cultura de diálogo dentro das disputas judiciais no direito brasileiro. Nossa idéia foi propiciar mais tempo entre as partes para refletirem quanto aos benefícios de um acordo”, afirmou a juíza, que possui sob sua responsabilidade mais de 12mil processos em andamento. Segundo a juíza, a humanização do procedimento auxilia a agilização de acordos. “Quando as conciliações eram feitas de forma mecânica e impessoal, os resultados ficavam bem aquém do desejado. A sala climatizada e o apoio psicológico tem ajudado a apaziguar os ânimos.” Manzini salienta que a celeridade processual deve sempre ser meta do juiz.“Precisamos humanizar o atendimento ao jurisdicionado, essa premissa é fundamental para darmos celeridade a contenciosos que podem ser solucionados de forma pacífica. Algumas ações ordinárias, as que exigem um grau maior de complexidade processual, podem levar anos, obtendo o acordo, minizamos o desgaste das partes”, finalizou a magistrada.
Apoio
O projeto conta com o auxílio da psicóloga Ivana Regis, que fez questão de ressaltar a importância destes dados. “Essa iniciativa tem contribuído de forma decisiva na solução de muitos casos que demandam muitos recursos da já afogada justiça brasileira”. O projeto se dedica a solucionar processos que correm sob o rito ordinário, um tipo ação que exige maior complexidade processual e demora mais a obter uma sentença definitiva.
Segundo estimativas de profissionais do direito ouvidos pela reportagem, uma ação ordinária pode levar em média cinco anos para obter a decisão final. A psicóloga ainda lembra que neste tipo entendimento entre os litigantes, após a assinatura do acordo, eles abrem mão de entrarem com quaisquer tipos de recursos, desafogando as instâncias superiores do Poder Judiciário.
Pesquisa do CNJ, com dados atualizados até 2008, mostra que a 2ª instância do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apresenta o maior nível de congestionamento processual entre os estados detentores de maior PIB. Com a maior taxa de congestionamento (50,9%), o 2º grau do Tribunal de Justiça de São Paulo finalizou, por ano, pouco mais de 49% dos processo que tramitaram no ano 2008.
Casos reais
Durante o tempo que a reportagem esteve no setor de conciliação, das três audiências em ações ordinárias, uma resultou em acordo. A ação, movida por um correntista contra um banco por causa de uma conta de cartão de crédito, foi encerrada em uma hora e meia. O autor da ação concordou com os valores estipulados e finalizou o processo, que se arrastava desde 2007. Uma das advogadas da autora, Aline Alves Bevilacqua, conta que a iniciativa da juiza ajudou. “O trabalho de conciliação realizado pela equipe da Dra Manzini estendeu o prazo do diálogo aproximando o contato entre as partes.”
Saiba mais
Acerto entre as partes encerra ação de R$ 20 - Uma ação movida por um usuário de telefone celular contra uma lotérica também resultou em entendimento. O autor alegava danos morais pelo fato de seu celular não ter sido carregado após ter pago por isso. Ele digitou o número errado do telefone no momento da recarga e afirmava que lhe era devido o reembolso. A ação foi proposta em 2008. O réu pagou R$ 20,00 ao reclamante, o mesmo valor da recarga. Para Paulo de Mateus, advogado do réu, casos assim sobrecarregam o Judiciário. “A conciliação é importante, mas é importante lembrar que o acordo deve ser interessante para ambas as partes.”
Corregedoria faz elogios à iniciativa
Segundo dados da Corregedoria de Justiça do TJ, com dados até 31 de janeiro de 2010, há cerca de 140 mil processos em andamento em Campinas. Quando contabilizadas as estatísticas do Estado, os números ficam ainda mais impressionantes. A assessoria do órgão informou que há mais de 19 milhões de ações em andamento no Estado.
A conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Morgana Richa elogiou a iniciativa da juíza de Campinas e apresentou números alarmantes sobre a sobrecarga no Poder Judiciário brasileiro.Segundo ela, dados atualizados até 2008 apontavam a existência de mais de 70 milhões de processos em andamento em todo o País. “Possuímos uma demanda muito grande, o CNJ endossa todas as alternativas que tragam maior celeridade ao trâmite processual.” Em 2006, o conselho criou o programa Conciliar é Legal, com o intuito de amenizar a situção. O projeto estimula os tribunais de todo o país a criarem uma semana exclusiva dentro dos órgãos, com a finalidade de aumentar os acordos.