XaD CAMOMILA

1 de abril de 2010

Cabeça

"Não convinha deixar que o reduto ficasse ao sabor das conveniências de cada eleitor. Mais proveitoso seria manter o rebanho unido em torno de pelo menos um candidato a deputado, o que facilitaria a pretensão de lançar-se vereador, daí a dois anos. Uma boa votação agora, seria meio caminho corrido. Olhando os políticos que circulavam no trecho, percebeu o filho do prefeito da cidade vizinha. Rapaz novo, com suporte financeiro dentro de casa, aliado aos governos estadual, federal e internacional, em busca do segundo mandato. “Esse não perde”, ouvia-se por uma boca só. Telefonemas e recados resultaram sacramentando um encontro. Casa ampla, avarandada, com a boca aberta para um entra e sai de gente que vinha render loas ao pai-prefeito, ao filho-deputado e ao espírito-numerário. Numa mesa comprida, bules de café, pão massa-grossa, bolo de tapioca, bolo de milho, um alguidar de coalhada, e farofa de carne seca, tudo em constante renovação de copos, colheres e pratos. Para os fundos, numa mesa menor, algumas cachaças puras e outras com ervas, frutas e raízes, aquecendo as vozes dos contadores de causos e piadas, que tiravam, com gosto, o couro dos adversários. Esperou ser chamado ao aposento onde o deputado tinha as conversas mais reservadas. Solenidade não havia. Estava de bermudão, sem camisa, rindo-se após um prolongado arroto de coca-cola. Mas, recebeu bem: “Sente, faz favor, acho que já nos vimos, você não é filho do... isso, isso, isso, conheço seu pai”. O homem era profissional. Em pouco, e tinha inventado um parentesco desconhecido. Acomodou-se sobre o tamborete e detalhou seu propósito: disputaria um mandato de vereador na próxima eleição e queria nessa evitar a dispersão dos seus. Tentou fazer alguns elogios, mas o deputado não parecia interessado em recolhê-los, porque apanhou logo uma calculadora da gaveta e, sem levantar a vista, indagou, de chofre: “Você acha que pode me dar quantos votos?” Tomado de surpresa, fez uma rápida aritmética mental e balbuciou “uns quatrocentos”. O deputado meteu os dedos na calculadora, levantou o queixo para mais um arroto, e arrematou: “Pago vinte por cabeça. Tá bom pra você?” E a democracia sobrevive." (Juarez Medeiros Filho, Promotor de Justiça / MA).

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