por Valdênia Brito Monteiro*
“A cada período, surgem as grandes ondas, os modismos em torno de temas. A vitrine do momento é a mediação de conflitos, que nos últimos três a quatro anos deu um boom, principalmente, com uma grande quantidade de escritórios jurídicos universitários. As novas oportunidades apresentadas de ações de acesso à justiça nas universidades, nas ONGs e até mesmo nos tribunais têm grande importância, sobretudo para camadas mais pobres sem condições de fazer exigência de direitos.
O que tem tornado difícil é inverter o grau de despolitização e retóricas quanto à importância da mediação. O discurso apontando a celeridade, o diálogo, a escuta já virou clichê. Há um esvaziamento do conteúdo da concepção de acesso ao direito e à justiça, dando um caráter muito mais instrumental. A crítica tem a ver com o conteúdo político quanto à condução.
Talvez a dificuldade seja do próprio momento vivido. Quem sabe tem a ver com a pós-modernidade, a partir do que significa estar neste mundo e como ele se apresenta, com a fluidez, a relativização, a fragmentação, as rupturas de fronteiras, as urgências, o imediatismo, a descentralização... Enfim, uma sociedade que não precisa aprofundar muito as coisas. Será que se quer dar sentido ao conteúdo acesso aos cidadãos. Acesso a quê? De que Justiça se está falando?
A falta de dimensão política dos conteúdos tem levado a acreditar que toda e qualquer solução leva à cidadania. Será que as possibilidades de empoderamento, garantia de direitos, coesão e solidariedade comunitária têm-se tornado real?
A problematização passa pela necessidade de se (re) pensar além da justiça na perspectiva de acesso ao Poder Judiciário ou à simples mediação de conflitos, mas sim da justiça cívica como nova abordagem que busca a articulação de políticas públicas com direitos humanos.
A justiça cívica exige-se um olhar do conflito de forma mais minuciosa, como valor fundante da construção da esfera pública. Esta como lugar de luta, do conflito que pode produzir a democratização das relações sociais, da construção de direitos, da expressão de opiniões e reivindicações, do aprofundamento da desigualdade. Esse espaço é próprio de regimes democráticos. Como diz Silva (2003, p. 26): “os regimes democráticos não garantem de antemão a igualdade, mas geram a possibilidade de que ela venha a ser atingida aos poucos, por meio do próprio conflito social.”[1]
Assim, pensar a mediação de conflitos na perspectiva da justiça cívica significa repensar conceitos e construir compromissos entre os indivíduos e grupos para uma agenda política, tendo como base o princípio cooperativo de construção de direitos, como condição da cidadania ativa. É a ideia do protagonismo cidadão como capaz de conhecer, reinventar e exigir direitos. Da capacidade de perceber outras visões de mundo, diferentes das suas; do exercício coletivo. "
*Mestra em Direito pela UFPE, doutoranda pela Universidade Autônoma de Buenos Aires - UBA, coordenadora do Justiça Cidadã do Gajop e professora da UNICAP e UNIVERSO.
[1] SILVA, Luiz Antonio Machado da. Cidadania, democracia e justiça social. In: RIO: a democracia vista de baixo. Rio de Janeiro: Ibase, 2004. p. 25-32. Texto apresentado no Encontro Nacional do Fórum Nacional de Reforma Urbana, realizado de 6 a 8 de junho de 2003, no Instituto dos Arquitetos do Brasil, Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 19 fev. 2011.
Fonte: GAJOP
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