Fernando Brito
Tijolaço
Acabo de ler e ver reportagens sobre dois assuntos, que não sei se são um só.
Uma, no Estadão, sobre as remunerações de até centenas de milhares de reais percebidas por juízes e desembargadores em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Outra, na Folha e no Viomundo, sobre a violência e o desrespeito aos pobres moradores expulsos do Pinheirinho.
Para quem, ainda criança, viu atearem fogo e lançarem cães contra os favelados da Praia do Pinto e do Morro da Catacumba, há 40 anos, é como descrer no progresso humano.
Ontem mesmo o Estadão publicava que os nobres desembargadores consideravam uma violência ser exposto ao público o fato de que alguns deles – nem se discute se com origem legal ou não – terem movimentações imensas em suas contas bancárias, embora nome algum tenha sido revelado, porque as investigações são feitas dentro da prudência da lei, que deve preservar a todos.
E quem preserva essa pobre gente e seus filhos? Crianças, que os senhores juízes, quando são seus filhos, cuidam com tanto empenho, com tantas babás, boas creches, escolas de qualidade e todos os mimos e carícias?
Suas Excelências, decerto, não são monstros e não deixam de saber que – não importa que ganhem muito bem por seu trabalho – do fundamento jurídico da igualdade humana e dos princípios constitucionais da proteção aos direitos humanos e, sobretudo, das crianças. Inclusive e, especialmente, das pobres, que não têm senão o Estado para tutelar seus direitos mais comezinhos.
O que ocorreu em Pinheirinho não se passou no interior de Rondônia, nas selvas do Pará, ou em outro lugar remoto do qual se pudesse dizer estar além das fronteiras da compreensão moderna da aplicação da lei como instrumento de proteção a direitos – e os sociais sempre se sobrepõem, do ponto de vista do Estado, aos individuais, embora não possam anula-los – e não a privilégios.
A Suprema Corte brasileira, que considerou relevante proteger os direitos do Sr. Daniel Dantas, para que este não fosse exposto com algemas nas mãos, acha correto disparar balas de borracha – nem falo das de verdade, que se disparou também – contra mulheres e crianças? A Justiça brasileira acha correto contribuir para o risco de promover outra Eldorado dos Carajás ali pertinho da maior metrópole do hemisfério Sul?
O que está acontecendo com o Direito e a Justiça deste país?
Quando se trata de pressionar o Governo Federal para conceder aumentos ao Judiciário, há declarações públicas, tratativas políticas o apelo ao bom funcionamento de uma instituição da República.
Quando se trata de defender seus mais frágeis jurisdicionados nem mesmo um apelo à moderação, à humanidade, ao bom-senso. Havia, na ordem mandatória do despejo, alguma determinação de que houvesse assistência social, preparação dos serviços públicos para encaminhar as pessoas a casas, as crianças a escolas, os carentes à assistência devida?
Ou apenas para enxotá-los, como se fossem cães?
Será que precisamos de um novo Sobral Pinto para constranger a Justiça brasileira, pedindo que se aplique aos seres humanos do Pinheirinho a lei de proteção aos animais?
O ovo da serpente, ao qual se referiu a Ministra Eliana Calmon, eclodiu em São José dos Campos. Um Judiciário – porque seria desonroso chamar a isso de Justiça – que é algo que já não se rege nem pela moralidade e nem mesmo pela humanidade.
Há um campo de refugiados em São José dos Campos. Lá estão os flagelados. Não da seca, não das chuvas.
Os flagelados do Judiciário brasileiro, que repete a olímpica indiferença de Maria Antonieta.
2 comentários :
Esta é a grande queixa que eu tenho do CNJ. Toda a sua atuação faz parecer que o grande problema do judiciário é a corrupção. Esta existe, como em todo lugar, mas não é o principal.
O problema do judiciário é este elitismo, esta insensibilidade, esta prisão seletiva às normas. É todo o rigor e legalismo, para defender a propriedade, ao mesmo tempo em que a legalidade é totalmente mitigada, para punir mais os pobres.
O problema é que eu não ouvi nenhum juiz de fora da AJD (instituição cujos membros são estigmatizados em vários tribunais)questionar o que aconteceu. (pode ter havido, mas, eu não vi).
Ao contrário, o que eu vejo até agora é a defesa do ato e até muitas felicitações à PM e ao judiciário, porque a competência era do TJ SP e não da justiça federal (o que importa isto? atiraram em crianças!), ou porque "a propriedade ainda é um direito" ( a moradia, a dignidade, etc. , não?), ou porque o particular não pode suportar a omissão estatal ( os particulares proprietários, não, mas os particulares que não tem onde morar, sim).
Outra ainda melhor foi a tese de que o executivo poderia até desapropriar a área, mas preferencialmente, para alojar outras pessoas, que não tivessem invadido lugar nenhum.
Este é o problema do judiciário (e das instituições jurídicas em geral. E ,ele, o CNJ não ataca. São decisões que refletem pessoas que não conseguem sequer se perguntar porque as pessoas escolhem viver em "invasões".
Eu preferia que nenhum juiz fosse punido por corrupção, se os outros mudassem esta postura triste. Sinceramente, seria muito mais útil alguém com o ímpeto de Eliana Calmon atacando esta mentalidade, para que não acontecessem outros casos Pinherinhos.
É... Rafito. E digo mais: isso é coisa do braço togado da "Direita Oligárquico". Não tenha dúvida. Inté.
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