"A Direita oligárquica não descansa" (Boaventura Santos) |
Wálter Fanganiello Maierovitch *
Numa ação de reintegração de posse de área grande e com muitos ocupantes, a regra orientadora básica do juiz do processo é a Justiça, e buscar à exaustão as conciliações em audiências. Em outras palavras, promover negociações voltadas à desocupação e, para tanto, envolver governos (municipal, estadual e federal) para encontrar soluções alternativas. Afinal, créditos tributários são habilitados para pagamento pela massa falida.
A reintegração coercitiva, com oficiais de Justiça e força policial, só deve ocorrer excepcionalmente e não era o caso da executada no domingo em imóvel pertencente à massa falida da empresa Selecta. Uma empresa que pertenceu ao megaespeculador Naji Nahas.
A falência foi declarada em 2004 e se arrecadou, como bem da massa, uma área de 1,3 milhão de metros quadrados, situada em São José dos Campos, em lugar conhecido por Pinheirinho.
Na reintegração, não estava em jogo apenas o interesse dos cerca de 6 mil ocupantes da área do Pinheirinho. Como todos sabem, os valores arrecadados com a massa falida pagam os créditos de trabalhadores tungados pelos gestores da Selecta. Mais ainda, existem créditos fiscais, previdenciários e até dos credores quirografários. Os pagamentos obedecem a uma ordem legal e, muitas vezes, os quirografários ficam a ver navios.
Desapropriar a área para solucionar o problema dos ocupantes e não deixar os credores desamparados poderia ter sido uma das soluções. Lógico, passada pelo crivo do Ministério Público por meio da curadoria de massas falidas e Judiciário. No caso da falência da Salecta, e como informado pelos jornais, havia um protocolo de intenções em curso no Ministério da Cidade para solucionar o problema dos ocupantes da área.
Sempre conforme o informado pela mídia, existia ainda um acordo para adiar a reintegratória. Esse acordo teria sido celebrado entre o representante da massa falida e uma comissão de moradores. Fora isso, no âmbito Judiciário, havia um conflito de competência entre Justiça estadual e a federal. Por incrível que possa parecer, o conflito foi resolvido, em sede do Superior Tribunal de Justiça, no domingo, quando a Polícia Militar, com bombas e balas de borracha, já havia praticamente promovido a desocupação (aqui).
O conflito poderia ter sido usado pela Justiça paulista como bom motivo para adiar a reintegração coercitiva e buscar novas tentativas conciliatórias. Pelo que se sabe, o governo federal tinha um representante na área. E esse representante chegou a ser atingido por projéteis de borracha disparados pela Polícia Militar.
Em síntese, existiam bons motivos para adiar o emprego da força policial. Uma solução determinada pela Justiça, que requisitou a força policial. Portanto, não cabia à Polícia Militar deixar de cumprir a determinação judicial.
Ao governo federal, por meio do Ministério das Cidades, faltou agilidade para fazer valer o protocolo celebrado.
Por outro lado, diante do problema social, o governo do Estado, pela Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, deveria ter buscado uma solução amigável. Não falta ao governo estadual experiência, basta lembrar a região do Pontal do Paranapanema, em encontrar soluções em conflitos possessórios.
Não há dúvida que a questão judicial é antiga, pois a falência foi decretada em 2004. Mas o imóvel teve grande valorização e a lentidão da Justiça em solucionar conflitos é bem conhecida. No caso do Pinheirinho, nem todas as “portas” conciliatórias estavam fechadas. Lamentavelmente, a Justiça optou pelo uso da força.
Pano rápido. Por telefone, tentei buscar informação sobre se a falência da Selecta foi fraudulenta e se existe algum processo por crime falimentar contra o megaespeculador Naji Nahas ou algum dos gestores. Isso tudo para no Brasil (sic), onde crimes falimentares costumam prescrever.
* Wálter Fanganiello Maierovitch é desembargador aposentado do TJSP; colunista da CartaCapital e do Terra Magazine; professor.
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