Na mesma segunda-feira em que o Estadão rompia a cortina
de silêncio que protege o Judiciário de críticas, ao revelar as mordomias
aéreas dos meritíssimos ministros, em reportagem de Eduardo Bresciani e
Mariângela Gallucci, Joaquim Barbosa, o presidente do Supremo Tribunal
Federal, atacou o Congresso Nacional pela "ineficiência, inteiramente
dominado pelo Executivo" e os partidos políticos em geral, que qualificou
de "mentirinha".
A surpreendente reportagem do
"Estadão" conta que o STF gastou, entre 2009 e 2012, R$ 608 mil só
com passagens internacionais de primeira classe para esposas de ministros e
outros R$ 295,5 mil em viagens dos magistrados em períodos de recesso. Além
disso, o jornal denunciou que Joaquim Barbosa viajou 19 vezes por conta do STF
em períodos nos quais estava de licença médica, tendo como destinos Rio, São
Paulo, Fortaleza e Salvador.
Em sua longa palestra no
Instituto de Educação Superior de Brasília, onde é professor, Joaquim
Barbosa, que se apresentou como uma espécie de tutor dos outros
poderes, não tocou neste assunto das viagens patrocinadas pelo STF, que
consumiram um total de R$ 2,2 milhões dos cofres públicos nos últimos três
anos.
Não que o falante Barbosa tenha
contado alguma grande novidade que todos os cidadãos já não saibam sobre o
funcionamento do parlamento e dos partidos políticos ou tenha ofendido
membros de outros poderes, mas estranhamente preferiu o silêncio quando foi
perguntado, após a palestra, sobre viagens pagas pelo tribunal e licenças
médicas.
Ao ouvir a pergunta, o presidente
do STF, como tem acontecido em outras ocasiões recentes, quando é questionado,
mostrou-se bastante irritado:
"Eu não quero falar sobre
este assunto. Eu não li a matéria. Essa matéria é do seu conhecimento, não é do
meu".
Pois deveria falar, já que se
trata de uso de dinheiro público em proveito privado, embora o STF autorize
este tipo de benefício, como informa a reportagem:
"O pagamento de passagens
aéreas a dependentes de ministros é permitido, em viagens internacionais,
por uma resolução de 2010, baseada em julgamento de um processo administrativo
do ano anterior. O ato diz que as passagens devem ser de primeira classe e que
este tipo de despesa deve ser arcado pela Corte quando a presença do parente
for "indispensável" para o evento do qual o ministro
participará".
Alguém sabia disso? Qual o
critério de "indispensável"? No meu caso, por exemplo, mesmo a
trabalho sempre gosto de viajar acompanhado da minha mulher, mas quem tem que
pagar a passagem dela somos nós.
Na crítica aos partidos de
"mentirinha" que tornam "o Congresso um poder dominado pelo
Executivo", o ministro Barbosa esqueceu de dizer que o Judiciário tem
grande parte de responsabilidade nesta deformação institucional, como
bem lembrou, em artigo publicado na "Folha", o cientista
político Humberto Dantas, professor do Insper, depois de listar vários casos em
que o STF facilitou a proliferação de legendas.
"Diante de tais aspectos,
não parece ser apenas o Executivo a furtar o Legislativo de seu papel. Não há
no país poder mais criativo em matéria eleitoral que o Judiciário. Assim, que o
professor Barbosa seja capaz de observar que o órgão que preside contribui para
reforçar a `mentirinha´ chamada `partido político´.
Antes do dia acabar, a assessoria
do presidente do STF distribuiu nota para dizer que Barbosa falou na condição
de "acadêmico e professor" e não teve "a intenção de criticar ou
emitir juízo de valor a respeito do Legislativo". Melhor assim, pois o
presidente da Câmara, Henrique Alves, já tinha divulgado outra nota em que
qualificou a manifestação do presidente do STF de "desrespeitosa".
O que mais me chama a atenção
neste episódio é que nós estamos habituados a ver e ouvir todos os dias duras
críticas sobre mordomias contra membros do Executivo e do Legislativo, em todos
os níveis, mas que me lembre é a primeira vez que um veículo da grande imprensa
trata desta questão no Supremo Tribunal Federal.
Se os viajantes fossem membros de
outro poder, certamente a reportagem repercutiria nos demais veículos, ganharia
ares de escândalo e logo alguém pediria a instalação de uma CPI.
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