"Parecia piada pronta. Estudante, negro, espancado por um policial militar dentro da USP? Tudo isso em vídeo?
Ou é piada ou é boato.
Nem o mais troglodita dos carrascos seria capaz de assinar o recibo desta maneira.
Policial pode até ser rígido, mas não é burro.
“Querem fumar maconha sem ser incomodados”.
Do governador ao quatrocentão que nunca pisou na USP, todos estavam crentes de que, com a PM no campus, a segurança e a civilidade estariam instauradas de vez.
O resto era conversa, papo de intelectual.
Todo mundo sabe que polícia não agride, polícia protege.
Os argumentos em torno da ordem e da legalidade estavam tão consolidados que soaria como escárnio voltar à discussão a essa altura do campeonato: a PM sabe lidar com estudantes?
A resposta durou 1 minuto e 39 segundos, e é mais representativa que todos os calhamaços já publicados sobre o assunto. E levou a discussão para outro patamar: a polícia paulista sabe lidar com seres humanos?
Em 1 minuto e 39 segundos a resposta se torna evidente: no vídeo (clique aqui e aqui para ver), um sargento, identificado como André Ferreira, avisa, educadamente, que o prédio sem uso há anos, ocupado pelos estudantes, precisa ser liberado. Os estudantes se negam a deixar o prédio. E questionam os motivos da ação (ao que parece, não está proibido ainda, num espaço estudantil, questionar determinada situação, ainda que o interlocutor seja um policial, um padre ou um professor).
A conversa é tensa, mas tudo parece estar sob controle. “Não gosto de você, e você não gosta de mim”. Ao que consta, num ambiente universitário, ninguém é obrigado a gostar de ninguém.
Até que um negro, o estudante de Ciências da Natureza Nicolas Barreto, entrou na conversa, da qual não foi chamado – como não foi chamado para aquela universidade, se dependesse de quem a financia.
E se tornou, naquele instante, a expressão mais exata da violência e do preconceito que a inteligência brasileira supunha enterrados.
O peso da mão policial é exatamente o peso de anos, séculos de rejeição ao acesso de negros a antigos círculos restritos. Como a universidade.
“Negro numa universidade? Não pode ser aluno. Se for, é baderneiro. Se apanhou, é bem feito. Se não amanha qualquer herdeiro da escravidão vai começar a dizer ao Estado o que deve ser feito”.
A reação policial, nesse contexto, é quase profilática.
Porque o sargento escalado para a agir naquele espaço é o Estado presente, o detentor do monopólio da violência autorizado a agir com os estudantes exatamente como age com o cidadão comum. E hoje a polícia militar, acusada tantas vezes de truculência, mostrou às câmeras o que sabe fazer de melhor, o que faz há anos nas casas, nas favelas, nas ruas – com ou sem mandado, com ou sem força excessiva.
O vídeo mostrou que o baderneiro, na verdade, vestia farda, e não chilenos. E perdia a razão, agindo como marginal. Mudou de lado?
Horas depois, foi anunciado o seu afastamento do meliante (ops, policial), junto com um comparsa (ops, colega). Mas a questão está em aberto. Só mudou de patamar. Vale insistir “A PM paulista sabe lidar com seres humanos?”
Parte das respostas pode estar incrustrada sob o velho argumento: foi caso isolado.
Não foi. A agressão ao estudante da USP, assim como as agressões diárias sofridas por quem não tem sequer carteira de estudante para se defender de bordoadas, é a crônica de uma guerra anunciada. A fórmula? Basta colocar policiais armados querendo mostrar serviço numa área pacificada.
O sargento Ferreira tinha autorização para cumprir sua função. É em agentes públicos como o sargento Ferreira (o mesmo sargento que estranha ao ver um negro se apresentar como estudante) que o governo do estado dá a incumbência de levar segurança e civilidade para as ruas e, agora, para o campus. Ele era o braço autorizado do estado para atuar naquele instante. Para isso foi treinado e orientado. E algo que militar sabe fazer é cumprir ordem e obedecer.
A manifestação gratuita, e gravada, de truculência e a covardia é um direito outorgado ao sargento Ferreira ao longo de mais de 181 anos de corporação que hoje envergonha seu próprio estado."
2 comentários :
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5551948-EI6578,00-Internautas+organizam+churrascao+da+gente+diferenciada+na+Cracolandia.html
Clau, a notícia veio do COLETIVO DAR. Seguinte:
Sábado (14): Churrasção diferenciando versão 'cracolândia'- Chega de dor e sofrimento na Luz!
Chega de dor e sofrimento na Luz!
Neste sábado, venha mostrar para o governo que sua polícia não é bem-vinda em nossas ruas
Sem oferecer alternativas decentes aos dependentes e sem respeitar os direitos humanos deles e dos outros usuários, trabalhadores e freqüentadores da região da Luz, o governo paulista vem ocupando militarmente, desde o dia 3 de janeiro, a zona conhecida como 'cracolândia'.
Higienismo, preconceito, segregação, violência, intolerância, tortura, abuso de autoridade e mesmo suspeitas de assassinato passaram a ser ainda mais constantes nos dias e principalmente nas madrugadas do bairro.
Luiz Alberto Chaves de Oliveira, coordenador de Políticas sobre Drogas do governo, defendeu que a operação teria como objetivo trazer 'dor e sofrimento' para os dependentes, forçando-os a buscar tratamento. Fica claro, no entanto, que os seres humanos que ali freqüentam ou vivem são a última preocupação de nossos governantes, que sabem muito bem que questões de saúde nunca poderão ser resolvidas por uma das polícias mais assassinas do mundo .
O objetivo da dor e do sofrimento é meramente expulsar aquelas pessoas dali para que o projeto da 'Nova Luz', que prevê demolição de um terço das construções da região e reconstrução do espaço com vistas ao lucro da especulação imobiliária, possa ser implementado.
Em reação a isso, dezenas de coletivos, grupos e entidades organizaram para este sábado mais um 'churrascão diferenciado', tipo de mobilização que ficou marcada na cidade como forma de combater, de forma bem humorada e crítica, o preconceito e o racismo dos políticos e das elites paulistanas. Traga seus instrumentos, cartazes, idéias, alimentos e o que mais achar necessário para tornar agradável este sábado de protesto e diálogo em defesa de políticas corretas, respeitosas e abrangentes em relação à população de rua (ou em situação de rua) e aos usuários e dependentes de drogas.
Quando: Sábado, 14/01, às 16h!
Onde: Rua Helvétia com Dino Bueno, São Paulo
Site do Coletivo DAR
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