XaD CAMOMILA

17 de janeiro de 2012

A lição do estupro ao vivo no BBB

O post do Luiz e o meu comentário no blog dele

Luiz Cesar

Comezinho se tratado em seu próprio âmbito, mas de grande significado se abordado em todo o seu contexto. Assim é o caso de relação sexual não consentida ocorrida nos quadros do Big Brother Brasil (vídeo aqui), programa que a rede globo de televisão mantém há alguns anos como uma espécie de versão nacional de um tipo de espetáculo de curiosidades sociais veiculado com algumas adaptações em diferentes partes do mundo.

O extravasamento do incidente para as mídias sociais e logo para os programas de TV diz muito sobre as práticas e valores de dois universos que não necessariamente espelham um ao outro: o da hiper realidade televisiva e o dos costumes.

Naquele, quanto mais a fantasia substitui a realidade maior o efeito entretenimento pelo qual pagam anunciantes e assinantes. Mas as fantasias, que são sempre individualizadas e atendem a padrões comportamentais de classe, não constituem o tipo de coisa que produza consenso entre grupos de pessoas com influências culturais diversas, composições familiares diferentes e também distintas possibilidades de acesso àquilo que possam abraçar como valor por um instante.

Os jovens, por exemplo, que queimaram Londres por três noites, rebelaram-se contra um mundo de fascínios a que não tinham acesso porque eram consumidores imperfeitos, como são fantasistas imperfeitos aqueles que suspendem a própria existência para freqüentar imaginariamente a casa dos “big brothers”.

O choque entre os dois mundos, o da realidade virtual e o da realidade real ocorre por choque moral. Quando, de repente, os valores do grupo a que pertence o indivíduo que assiste ao big brother entram em conflito com os compartilhados e expostos pelas pessoas que participam do show televisivo. Aí se dão conta os telespectadores das crianças que estão na sala, e que no dia seguinte irão a escola considerando natural estuprar um colega sob o edredon, por exemplo.

Haverá vítimas, portanto, do lado de cá do sofá: da discriminação, do utilitarismo e do abuso apreendido por homens e mulheres comuns de uma pequena amostra do universo social representado pelos que são convocados a participar do programa de TV.

Cabe ao estado mediar esse conflito de interesses de empresários que querem atrair anunciantes e destes que querem vender seus produtos com aqueles em que o conjunto de vivências possíveis não se circunscreve ao ciclo da temporada do programa de televisão.

Nunca o controle social da mídia pareceu tão urgente quanto neste momento, em que o descontrole do mercado produz estupros em rede nacional durante o horário do jantar.
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Oi, Luiz! Excelente texto. 

Eu não assisto BBB e, como não tenho twitter, soube do caso ontem pelo blog Maria da Penha Neles (vídeo aqui). Lamentável! 

Peço licença pra deixar aqui um comentário, feito por alguém que tem um outro "posto de observação". A ideia é só tentar esclarecer um pouco os aspectos jurídicos da situação.

O titular da ação penal que será movida contra o Daniel é o Ministério Público do Rio de Janeiro (local em que o crime se consumou).

O caso é de ação penal pública incondicionada (quer dizer, independe de representação da vítima; da manifestação de vontade dela).


[Fernando: Xad Camomila, nesse caso a vulnerabilidade da vítima é relativa ao momento em que ocorreu o ato, assim quando cessa a sua embriaguez ela está apta a representar o fato perante as autoridades, acho que só os completamente incapazes que entrariam nessa hipótese, nesse caso acho que a ação penal dependeria da representação da vítima]

O agressor - Daniel - vai responder pelo crime de ESTUPRO DE VULNERÁVELl, nos termos do art.217-A, §1o, do Código Penal (pena: reclusão, de 8 a 15 anos). 

Trata-se de CRIME HEDIONDO que não admite fiança tampouco transação penal (uma espécie de acordo, oferecido pelo MP, pra evitar que o processo seja iniciado).

Esse crime admite a concessão da liberdade provisória, se não estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva. Quer dizer, pode ser que ele responda o processo em liberdade.

Se ele for condenado, a pena será cumprida inicialmente em regime fechado (penitenciária). Como é crime hediondo, os requisitos para a progressão de regime e o livramento condicional são mais severos:

- ele precisará cumprir 2/5 da pena, em regime fechado, se for réu primário (e 3/5, se for reincidente), para ter direito à progressão para o semi-aberto (ex., passar o dia solto e voltar à noite pra dormir na cadeia).
- já o livramento condicional demanda o cumprimento de mais de 2/3 da pena, se ele não for reincidente em crime hediondo.

Bem, a Rede Globo – pessoa jurídica de direito privado – deverá responder, na pessoa do seu diretor, pelo crime de ESCRITO OU OBJETO OBSCENO, nos termos do parágrafo único, inciso II, do art. 234, do Código Penal:


“Art. 234 – Fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno:
Pena – detenção de 6 meses a 2 anos, ou multa
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:
(…)
II – realiza em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo que tenha o mesmo caráter”.

Esse crime é classificado como de menor potencial ofensivo, sendo cabível a transação penal e a suspensão condicional do processo (quer dizer, pode haver um acordo para evitar uma ação penal).

O art. 234 protege o pudor público, isto é, a moralidade pública sexual. Luiz Régis PRADO (penalista famoso) vai mais além, aduzindo que o bem jurídico tutelado é “o pudor público e, eventualmente, a integridade sexual do sujeito passivo e seu bem estar psíquico.”

Bom, foi exatamente por conta do art. 234 do CP que a Globo tirou o vídeo do ar, assim que as manifestações começaram. Ela fez isso para não prolongar o dano à coletividade.


[Maurício: Creio que não há como a "pessoa jurídica" ser autora do crime tipificado no art. 234 do Código Penal, uma vez que, como se sabe, só existe imputabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais. Por outro lado, não há como responsabilizar seu diretor, por não tratar-se de crime societário ou tributário, sob pena de responsabilidade objetiva, rechaçada no direito penal. Ou não?]

Resumo da ópera: o rapaz está bem ferrado, a Globo vai se safar (fazendo acordo, muito provavelmente) e a moça... 

Bom, a vítima - Monique - poderá entrar com uma ação civil “ex delicto”, que vai tramitar numa vara cível, onde ela irá pleitear uma indenização pelo dano moral sofrido, já que um número gigantesco de pessoas assistiu ao vídeo.

É isso aí. Gde abraço.
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Nota pro povo do Direito: gente, se eu falei alguma (ou muita) besteira no comentário, por favor, deixem um aviso pra mim aqui.
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LEIA TAMBÉM
MPF-SP abre procedimento para apurar violação aos direitos da mulher no BBB12
Ela tem o direito de saber

3 comentários :

Wilsoleaks Alves disse...

Ivana...
Este post sobre as implicações jurídicas para o caso de estupro no BBB é bastante elucidativo.
Seu blog é daqueles que a gente entra pra aprender e não se decepciona.
Estamos juntos!

Xad Camomila disse...

Leaks, esse ano promete! Já começou quente!
Na virada, o bloguinho estava na questão da crise do judiciário (STF x CNJ). E no "Eu apóio Eliana Calmon".
De lá pra cá, já postei sobre Privataria Tucana, voltei pro Judiciário, passei pela Cracolândia e cheguei na "PM na USP", com o vídeo da agressão ao estudante negro.
Back to Judiciário: relatório do COAF, mais problema$ no TJSP - pausa pra respirar com aquele vídeo massa "System Of A Dilma"- e, quando eu estava entendendo melhor do assunto, aparece o imbróglio do TRT/RJ e, na sequência, essa nojeira no BBB12: estupro de vulnerável em rede nacional!
TASQUIPARIU!
Mas vamo que vamo! Porque hoje é 17 de Janeiro!

Thanxx ao Maurício e ao Fernando que deixaram os comentários elucidativos que eu incorporei ao texto. Valeu!

Xad Camomila disse...

Gente, acabei na dúvida sobre o crime do art. 217-A,§ 1o., do CP, ser de de ação penal pública condicionada ou incondicionada.

A dúvida surgiu por conta de um comentário (do Fernando - que eu até coloquei no post), em discussão sobre as questões jurídicas do caso BBB no Viomundo:

“- Xad Camomila: em regra, nos crimes contra a liberdade sexual a ação penal é pública condicionada à representação do ofendido (quer dizer, a pessoa pode ou não dar início ao processo).
Porém, se a vítima é menor de 18 anos ou pessoa vulnerável, a ação penal é pública incondicionada.
No caso BBB, o ocorrido encaixa-se ao crime do art. 217-A, § 1o., do CP, porque a moça estava bêbada e adormecida (a vulnerabilidade vem daí).
Então, basta a notícia do crime – diretamente assistindo ao vídeo ou por alguém que faça uma denúncia formal -, para que o Ministério Público do Rio de Janeiro (local do fato) possa ingressar com a ação contra o agressor. Certo?

- Fernando: Xad Camomila, nesse caso a vulnerabilidade da vítima é relativa ao momento em que ocorreu o ato, assim quando cessa a sua embriaguez ela está apta a representar o fato perante as autoridades, acho que só os completamente incapazes que entrariam nessa hipótese, nesse caso acho que a ação penal dependeria da representação da vítima.

- Xad Camomila: Fernando você está certo: ação penal incondicionada.

- Xad Camomila: O Direito deixa a gente em cada uma… olha isso: “A promotora Christiane Monnerat disse que, se houver indício de que Monique não tinha capacidade de reação, o Ministério Público pode denunciar o caso, independente da vontade dela.” Essa é a promotora do caso. Putz! Será, então, que é ação penal pública incondicionada ??? Quer dizer, o que eu tinha dito antes? Eu estava certa e vc errado? Cara, puxa o freio de mão do trem que eu quero descer!!!

http://odia.ig.com.br/portal/diversaoetv/bigbrother_12/html/2012/1/ministerio_publico_pode_denunciar_caso_de_suposto_estupro_no_bbb_12_219128.html

Fernando: É Xad Camomila, li bastante a respeito e me parece que a ação nesses casos é incondicionada mesmo. De fato o Direito é cheio de meandros! Abraço! ”

Transcrevi a discussão pq sei que talvez alguém que passar por aqui talvez tenha a resposta.

Eu estou na dúvida agora, tendendo para a ação penal pública incondicionada, mas o argumento do Fernando foi bom, tanto que me convenceu.

Quem souber, por favor, passa pra mim. Deixa aqui no comentário ou manda um email.

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